quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

PATERNUS KARMA


Meu pai me ensinou a nadar. Eu, ser esguio incolor de cabeça e flagelo. Respirar inocente como se pudesse ser a milagrosa primeira vez. Como se esta personalidade informal se criasse das potências orgânicas dos meus cotidianos genitores escolhidos. Como saber sobre uma parede final do espaço, onde eu ajoelho e escavo uma fresta de oração. Como a criança exilada acreditando que no mundo é só sua mãe e deus. Como destruir a camada placentária de ozônio e encontrar uma linguagem para iniciação e aprendizagem. Como acordar com duas pernas, dois braços e polegares opositores. Caçar um pássaro extinto, copular com seus filhotes e retirar a mais perfeita pena. Fazer tinta das próprias vísceras. Caligrafar inscrições lúdicas desconstrutivistas subliminando uma mensagem de existência e dor. O trabalho místico verbal antecedente da chuva de muitos dias. Pedra fundadora da profundidade oceânica das nossas distâncias. 

Meu pai está morto. Amnésia social da primitividade uterina espacial de evolução espiritual da matéria e da ética. Cavaleiro mítico dezembrino anunciador do astro-rei. Sinto presságios da missão de transcendência da minha existência quando abro meus olhos no fundo mar. Imagine se nós fossemos animais do ar que não conhecesse a vida submarina. Eu acho que o meu horizonte é onde eu ainda não vi. Não enterrei o corpo do meu pai. Tenho fé em uma divindade líquida e viva. Admiro paisagens transitórias por exuberância rara. Sou colecionadora de personagens coadjuvantes de teatro de sombras.

A metalinguística é o meu maior interesse literário contemporâneo. Psicografia auto mediúnica inspiradora. Entre a saudade que sinto de dinossauros pesados que passaram por mim. Sinto-me conduzido em confiança a baleias e elefantes. Minha segurança em rochas voluptuosas, meu sinal material de benção e proteção. O calendário de um novo salvador instaurará. Uma nova tecnologia de medição do intervalo de vida e morte. Sol e Lua. Arquitetura de corrosão e sedimento natural que as ondas esculpi. Me perguntaram de meu pai e só saberei falar sobre deus. Escrever como um esquizofrênico não verbal. Exaurindo mensagens pânicas de missão, sem doutrina, sem pano de condecoração. Literalmente fundar minha necessidade paterna divina das palavras que juntei, das imagens mentais que virarem tijolos. Minha grande obra é uma parede de proteção para os que não são filhos meus. Um livro. Um ninho. Um mundo.
Deus me ensinou a escrever. O sofrimento e a lamúria como metodologia de alfabetização. Minha inteligência humana singular, cética sobre o livre arbítrio, meu saturno em peixes e meus anéis nos dedos dos pés. Louvo a vida com o movimento de inspiração e visto-me das coisas mais gloriosas que soube da existência. Dos conhecimentos profanos acumular uma torre. Orar. Lirismo poético latino de um arquipélago mediterrâneo luso-hispânico. O seco do vinho, as paredes aveludadas de incensos espirituais, leveduras crescendo a massa sobe o fogo criador, a matriarca de divinas ancas fervendo o doce de leite. Pedi a uma divindade pessoal a mais pura sabedoria, abri meu corpo para um espírito construtor, sou missionário templário da sagrada arte. Faço trabalhos divinatórios para erguer uma cabana aconchegante entre o céu e o mar, para chamar meu pai, minha mãe e meus avós, criar meus filhos, plantar leguminosas e condimentos, alimentar carpas ornamentais.

Galgar especiarias celestes para dispor de um paraíso personalizado. Viver no céu e dar-se conta ao nascer irmão. Subir escadas de uma catedral interditada. Conversar franco consigo. Pega uma migalha da parede, o corpo do milagre, uma vareta de pereira, uma rama de oliveira, eu sou o vinho, a vinícola, o Vinícius. Ímpeto e tempestade popular, meus traços infantis dessa unção e o peso do trabalho escravo. Minha vontade inocente de vestir um manto sagrado, impostar com a mais perfeita beleza um discurso mítico, falar sobre a salvação, fazer um sinal de afago, sem sorriso, porém confidente.





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