quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

HUMANO-TRANS-HUMANA

Há um de tempo tive a vontade de escrever este texto, mas não tive tempo nem esclarecimento suficiente, estive nos últimos meses trabalhando intensamente na montagem do espetáculo 'Florescerro" do texto de Gustavo Hermsdorff, direção de Lucas Fiorindo, produção de Rachel Coelho, cenário de Ana Paula Siste, no elenco André Fabrício e este que vos disserta, que também assina como figurinista. "Florescerro" estreou no dia 12 de Dezembro, na Oficina de Teatro da UEM, com a casa lotada. 

Florescerro. Fotografia: Renato Domingos.

O grupo responsável pela montagem de Florescerro, denominado Grupo de Pesquisa Teatral AJNA, é formado em sua maioria por pessoas ligadas ao Núcleo de Dramaturgia do SESI-PR, e por consequência ou não, em nosso trabalho a obra "Dramáticas do Transumano" do dramaturgo e diretor Roberto Alvim (que é coordenador do Núcleo de Dramaturgia) esteve constantemente presente como referência. 

Alvim procura, dentro da dramaturgia e do teatro como um todo, um novo desenho do ser humano e para tanto propõe a transumanização dramática, cujo explana com maior riqueza de detalhes na obra mencionada acima. Dentre os vários conceitos que Roberto Alvim aponta afim de arquitetar o transumano no palco, um conceito em especial me chamou muita atenção, denominado: Alteridade Radical. 

No dicionário, Alteridade: 

s.f. Caráter ou estado do que é diferente; que é outro; que se opõe a identidade. Filosofia. Circunstância, condição ou característica que se desenvolve por relações de diferença, de contraste.
Ou seja, para Roberto Alvim o conceito de alteridade radical é maximizar a promessa do habitar novos modos de subjetivação¹. É levar o teatro a maximação de sua própria vocação desde os primórdios da dramaturgia.

Florescerro. Fotografia: Renato Domingos.
Em meio ao descobrimento deste conceito que me soou deveras esclarecedor, principalmente dentro do processo de Florescerro, me autorizei realizar uma ponte entre a proposta de alteridade radical da dramática transumana e da legítima alteridade radical que é a vida de uma pessoa trans.

No dicionário, Transexual:



adj. Que está relacionado com a mudança de sexo: procedimento cirúrgico transexual.  
Desejo de viver e ser aceito como membro do sexo oposto, comumente [não necessariamente] acompanhado pelo desejo de fazer com que o corpo seja o mais congruente possível com o sexo preferido, através de cirurgia e tratamento hormonal.
Dentro dos estudos da construção social dos gêneros - que é a linha acadêmica de estudo das identidades pela perspectiva com maior adesão da própria comunidade LGBT e órgãos competentes como Conselho Federal de Psicologia e Conselho Federal de Medicina - a pessoa trans é aquela que identifica-se (psicologicamente) com um determinado gênero que não corresponde com sua definição cromossomática (XX ou XY), bem como com seu aparelho reprodutor. Lembrando que dentre as identificações de gênero não se concebe apenas a binaridade "masculina" e "feminina", é o que chamamos que transsexualidade não-binária.

Voltando ao tema alteridade radical na dramaturgia, indago se existiria situação que pudesse ilustrar com maior clareza prática do que seria este conceito do que a transsexualidade? Do que uma pessoa reconhecer-se própria de um sexo que não corresponde com o a constituição natural do próprio corpo? (que durante séculos fora simplesmente tido como a única possibilidade sexual). Ser transsexual é viver dia-a-dia a experiência mais complexa de alteridade que conheço e sofrer tais consequências, mesmo porque essas pessoas não instauram tal comportamento de uma maneira programada, como um ator ou uma atriz.



Florescerro. Fotografia: Renato Domingos
Uma pessoa trans é capaz de masturbar o próprio pênis ou vagina e sentir prazer imagético do órgão sexual oposto. Submeti abaixo um trecho de um texto de minha autoria que ilustra a ideia.

Trecho de "prazeredordaminhavaginamental":

Assistir pornografia heterossexual. Libertar o pênis da roupa íntima. Movimento repetitivo vertical. Ver homem e mulher. Ser homem e mulher. Sentir prazer vaginal de uma penetração peniana. Movimento repetitivo vertical. Sentir prazer vaginal de uma penetração peniana. Movimento repetitivo vertical. Abstrair o próprio pênis. Sentir prazer e dor vaginal. Movimento repetitivo vertical, abstraído, compulsivo. Goza. O pênis muscular e a vagina mental.
Quando afirmo que o universo TRAVESTI/TRANSEXUAL é deveras fértil para o mundo da arte, contudo pouco explorado, me refiro exatamente a esse tipo de analogia que acabei de descrever. Me descubro cada dia mais potente sexualmente e com uma possibilidade de experienciar minha sexualidade de uma maneira grandiosa, inclusive artisticamente. O mundo me sugere o contrário!


Florescerro. Fotografia: Renato Domingos
1 - Na relação que Alvim estabelece entre a dramática humana e sua proposta transumanizada, propõe a superação da construção de personagens (e seus esteriótipos), para a construção de "modos de subjetivação"  (e seus híbridos arquétipos).

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