quinta-feira, 6 de abril de 2017

A Paixão de Dilma ou A Primeira Presidenta do Brasil

 ato I . O assombroso último capítulo da história da política contemporânea brasileira. 

(Do inicio era tudo matriarcado e comunismo, democracia, tribalismo. O mundo muda, muda muito, todo o tempo. Descobrimos que estamos em uma matéria melecada medicinal, somos a bactéria na sua infecção, de sistemas políticos e de hierarquias, uma biologia militante e conservadora, que avança e retrocede, embriaga-se de sal e açúcar)

CORIFEIA 
Aqui jaz a democracia. Ágora de tempos mortos e tristes, olhos caóticos semicerrados, cansável penumbra déspota, uma pólis em paz, silêncio e nulidade, o rosto cabisbaixo sem gesto sem expressão, os acentos derrubados por reformas disso que diz-se a evolução, renascença, partido novo, copa do mundo, toda redução de vocabulário e conjugações, jura de fidelidade monogâmica heteronormativa cisgênera, a subtração do corpo e a tensão nas pontas dos dedos, a pagar e apagar.  A infância digital, o primeiro beijo a distância, a ansiedade impregnando os úteros com essas crianças antipedagógicas que saem correndo sem a menor ideia literária e sem sentido teatral, a gritar.

CORO DE MULHERES 
Um milênio de torturas escabrosas, máquina de valor e derivados do petróleo. Esta nação nasce de um ato de desonestidade. O agora é a colheita mal dita, colheita mal dita, colheita mal dita, colheita dita, a colheita da ditadura.

DILMA
Onipotência popular e fogo,
Indumentária inteligente de musgo e sangue-suga,
Quantas das minhas lágrimas vaginais, são os soluços do povo.
Meu grande amor pátrio, desdobrando em doença, na fila do sistema único de saúde.
Não existe medicina cubana, nem curandeira indígena.
A noite sem estrelas rabisca meus peitos de calúnias midiáticas.
Dos sacrilégios de dignidade humana que descrevo
Meu simples trabalho em erradicar a fome,
Não toca, não sasseia a burguesia nacional.
No palacete modernista simbólico e abstrato,
Revolta sobre mima vergonha e a injuria, 
Da família comerciante tradicional e do movimento,
Que a corrupção do mundo, os desvios e sangramentos,
O assassinato doloso de um rio doce,
E a comida roubada das escolas públicas de São Paulo,
Não execraram das dividas injustas para com a democracia,
Mas que ágora, acusam minha cabeça de mulher.

CORIFEIA
Pense no cenário de guerra caótico genérico, multinacional. As famílias alternativas e os indivíduos protestantes em perigo de extinção, bomba de efeito moral, arte contemporânea censurada pela tendência da moda, bancadas majoritárias evangélico fundamentalistas, frente anti-popular de alienação das naturezas ósseas e seus orifícios, a desumanidade, ciência econômica pura.

UMA PROFESSORA
Sustentando meu singelo cartaz na praça dos três poderes.

GÊMEAS SIAMESAS 
Nós, as filhas indesejadas, prodígio bastarda e pródiga, assim mesmo, usando uniformes de penitenciária privada e de segundo grau, supletiva, sem identidade, os documentos invalidados, os títulos sem reconhecimento, nossos cinquenta e quatro milhões de votos impedidos.

CORO DE MULHERES 
De todas as infectologias nacionais, este golpe é o mais grave estado de calamidade pública, nocivo e angustiante, de moléstias parasitárias, centenas de homens centenários, deslizando sorrateiro e malicioso, banqueiros e poupanças a fermentar no calor das campanhas eleitoreiras, febre amarela e verde, jardim político protozoário. 

(entra na cena uma passeata de pessoas brancas vestindo camisetas da seleção brasileira de futebol, zunindo.)


ato II. Dos parlamentares decorativos de muito mal gosto.

(os personagens deste ato são bonecos talhados em madeira, animadas formas de estilo do teatro medieval, recitam suas estrofes mentalmente)

TEMER 
Observo, óbvio que figuro o mais importante personagem desta narrativa histórica com geografia tropical. O meu suor recusa-se a transparecer, líquido prepotente de mim, seca por dentro, do mármore infernal, azeite de mogno, ilustra a nossa cara de pau.

CUNHA
O protagonismo de uma tragédia contemporânea brasileira jamais é dado ao nome de um homem como nostro. O traço desta literatura é iconografar as denominadoras do momento e da conjuntura, lideranças extra cotidianas, onda noviça. A potência do trabalho da juventude canalizada em palavras dramáticas, mulheres da literatura.

MORO
Eu represento em personagens a causa e consequência do nicho empresarial dos cursinhos pré-vestibular, cáscara, organelas. Uma indústria de autoridade argumentativa acadêmica. Um poder concursado, minhas respostas corretas vão julgar o trâmite duvidoso de um dos mais amados mensaleiros populistas na cena após o próximo ato. Mentira.

CUNHA
Uma clássica jogada de justiça seletiva, juiz curitibano de mero prestígio.

TEMER
Amigos da maçonaria, nossas lojas, a cadeira mais alta dentre os camarotes e intermédio, prato de entrada, artífice menor, esta cena é um entremez.


ato III. Enquanto isso as garotas de programação.
(a cena acontece em uma interface digital biomecânica,
localizada no canto direito da subjetividade humana,
como uma depilação cerebral)

JORNAL NACIONAL 
A bolsa de valores do Tocantins fechou em queda livre. A presidenta Dilma, com tom de monarquia na mesa do alvorada, gasta um grande milho brasileiro em café da manhã com líderes do bem-estar social. Morreu hoje no Juazeiro do Norte um empresário caquético. 

A TRAVESTI 
Eu morri ano passado, morri ontem, morri hoje e morri amanhã. Eu nasci de procedimentos cirúrgicos do único sistema de saúde que posso pagar com este salário anal, o tailandês. Desfilo no carnaval de rua graças a portarias feministas, matriculo meu culote na universidade federal. Maria da Penha, eu queria estar viva.

BANCADA EVANGÉLICA 
Santo deus ortodoxo de misericórdia sofista, poderoso dom da retórica. Eleve nossa burrice escandalosa aos quatro maiores canais de tv aberta, alimente os cidadãos dessa unção de ignorância intolerante. Incitar o ódio em rede nacional.

JORNAL NACIONAL
Ao vivo como escritura de massa, expressão brasileira, de escultura ideológica, o carnaval, a televisão abre as suas pernas, mostra a nossa bunda melada. O conteúdo é insólito e poluído, fede como um rio de gelatina, canais de bosta derramados no sistema solar.

MALAFAIA
O pecado parlamentar anal.

FELICIANO
A verdadeira penetração será em uma vagina celestial, e não será para reprodução. O falo e a vulva serão um só, a biologia. Irmãos, que o grande deus guarde os vossos cus.

BANCADA EVANGÉLICA
Deus é um maço de notas azuis, do maior valor aquisitivo, milagroso, no esoterismo cristão, os peixes. Apartamentos, carros, empresas, casa na praia, toda a glória viável para a massa consumista, nós.

BOLSONARO
Amém militar.

(os personagens dançam uma coreografia farsesca, sob a trilha sonora do ato institucional número cinco de mil novecentos de sessenta e quatro)

JORNAL NACIONAL
A presidiária Dilma pedala fiscalizações de mínima importância nas ciclovias brasilienses.

ato IV. Das kapital do tinhoso.

MARX (em 1883)
O mundo é uma merda. A minha teoria é um intestino, grosso e fino. E por minhas palavras você pode descansar em paz se quiser, deitada no leito da luta, cumprimentar a deusa, com um aperto sincero que parta da tua coluna vertebral. Beijar o pelo da pele impalpável. Provoco, pupila, molha de comunismo as dores do teu povo, acelera a sua história, para que o povo explorado, possa explorar a vida.

DILMA
Não vou despejar meus tons de sobriedade nas plantações,
As políticas púbicas de minha autoria, falarão, minha arte na praia,
Pequeno homenzinho de lata e sertão, marceneiro construtor,
Mulher mãe menina, beneficiária do bolsa família,
Me ouvem, ouçam, nosso ouvido, essa difícil escuta dos dias,
Estou dizendo para que me digam, que me empurrem com suas palavras,
Uma ajuda neste silêncio de serralheria, este lugar inóspito no planalto central.

LULA
O povo precisa dizer, se não, morre. E tá morrendo, gente. E ninguém tá dizendo, gente. 

(entra na cena um carro forte, com efeitos de fumaça de crack, os figurantes estacionam, abrem a porta e TEMER está dentro do cofre ao lado de uma metralhadora, nú, faz a fala como se fosse a última)

TEMER
É preciso ter medo, é preciso temer. 
É preciso ter fome, é preciso morrer. 
É preciso precisar, é preciso a precisão. 

Sobre moeda, estado, capim santo, e frigoríficos. 

Na vida a feira era um lugar de troca, um caminho do meio, calçada de pedras que reluzem, os tecidos todos no chão como tapetes voadores, volitando os commodities e os víveres, a pessoa estaciona seu corpo diante do pano, curva a coluna vertebral, dobra os fêmures e as tíbias, os joelhos de joelheira, olha nos olhos, respira junto, permanece, resiste em silêncio e comunica, em silêncio, a vida fala, e a troca acontece, o milho pelo ouro, a banana pela prata, o coco pelo diamante, a mandioca pelo marfim, olho por dente, dente por olho. 

A família só era uma teia fina e delicada, tecida pela mãe e pai, com os filhos e filhas, os netos e bisnetos, os animais, a natureza e as outras famílias vizinhas, a rua era o espaço entre as árvores, as pontes arvores sobre as nascentes, as arvores os muros, o bairro a aldeia, a cidade a flora, o perigo a fauna, o calendário o sol e a lua, o hospital a cabana da velha. A matriarca, da religião de contemplação, a escola da vida.

A morte era uma transformação gostosa, de chorar de felicidade, a saudade não doía por que o amor escorria litros e quilômetros pela terra e pelas pessoas, era possível viver para morrer em paz, com a certeza que algum dia seremos todos congelados, nossas faces jovens permaneceram, a vigorosidade do coração e o pulmão limpo puxando o ar perfumado, estaremos todos juntos numa grande pedra de gelo, resistindo com humanidade, como humanidade, para que em algum tempo espaço possamos viver novamente, amar e aprender de novo.


 ato V.  A crucificação de Lula 

(O jornal nacional e companhia venderam uma moda muito perigosa, feita de ódio, privilégios e alienação. O pesadelo de um coronelismo burguês eleitoreiro é um operariado popular populista, que agrada os bancos e as desempregadas, funda universidades, erradica a fome, dá crédito e liberdade de expressão. Lula foi pego para cristo, é o messias, cabeça e corpo, o condenado do Partido dos Trabalhadores)

O POVO BRASILEIRO
Nossa gênesis como apocalipse, nesta nação majoritariamente católica, da inquisição e dos jesuítas, a pastoral da criança. Não existe uma tradição de leitura neste país, o conhecimento verbal criptografado não umidifica as fissuras das nossas vidas secas. Nossa política é tribal mercantilista, de formas e conteúdos críticas de incalculável comicidade, somos nordestinas que fazem palhaçada. Era uma vez engraçado, mas agora é trágico. A memória coletiva falhará, mas a carne eleitoral estará marcada para a história. A revolução não tem gosto de estouro de espumante, tem cheiro de dialética, de uma materialidade que dissolve ao poucos como fumaça. O gigante está dormindo, silêncio.

DILMA
Eu não vou legalizar a maconha nem o aborto, 
Não vou propor as reformas estruturais para a revolução,
Meus atos heroicos são complexos, não fui escrita para ser amada apenas,
Mas para ser mais uma grande mulher de uma narrativa trágica,
Metateatralidade meu povo, o futuro será de portas automáticas para todas e todos,
Eu tenho certeza que a hora vai chegar, aquele momento específico em que o tempo vai dilatar,
A vida será para sempre um profundo jogo de ludicidades, de metodologia dramática,
O conflito não será obsoleto, e permanecerá nas nossas histórias,
Não importa o quão pós-dramática e pós-materialistas nós sejamos,
Represento aquilo que cabe ao meu papel de atriz, competência cênica,
Vou chorar minhas memórias emotivas no climax que se aproxima,
Os saltos qualitativos ininterruptos como que quantitativos,
Meu conhecimento profundo de economia-politica,
Na dramaturgia de uma cena brasileira, nosso ato.


(Lula está inflado, com a altura de um prédio de treze andares, os bárbaros desfilam a imagem do seu corpo pela Avenida Paulista, o céu está demasiadamente cinza, e as pessoas vestem fantasias grotescas de um carnaval de terror, uma procissão medieval de ímpeto e carnificina, a fogueira das bruxas e os tridentes)

LULA
Sacrificai-vos companheiras e companheiros, eles sabem o que fazem. 


(O continuação dessa narrativa é retrocesso e marmita de fome. Por isso e por outras. Ficamos por aqui, resistindo singelo como literatura cênica, fixado em códigos contemporâneos brasileiros, apenas como poesia teatral de um cidadão artista latino americano)

Setembro de 16. Foto: Arquivo Pessoal

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